Marcos Valadão Ridolfi nasceu em São Paulo no dia 23 de janeiro de 1962. Ele formou o Ira! em 1981, onde se consagrou nacionalmente, gravou 12 álbuns de estúdio e três DVD's, gravou um disco com a banda Voluntários da Pátria, criou a banda Nasi e Os Irmãos do Blues na década de 90, além de ter uma carreira solo muito respeitada. Ele é uma lenda do rock nacional e um dos mais importantes nomes da música brasileira. Nasi está aqui:
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Nasi, a primeira pergunta que gostaria de fazer é referente ao seu atual momento. Apesar de tudo, creio que essa pandemia foi muito produtiva pra você, que entrou de vez nas redes sociais com lives semanais e indicações de álbuns, criou um podcast e ainda voltou a ter um programa do rádio. Como tudo isso te aliviou na falta que sente do palco e até para se manter bem mentalmente?
Nasi
Realmente, eu realmente sempre fui muito avesso às redes sociais, porque não tinha tempo para administrar isso, vida corrida com shows e tal, também pela exposição que a gente fica à pessoas estúpidas, agressivas e intolerantes de toda forma e eu como não tenho muita paciência pra isso, acho que a qualquer hora eu poderia dar uma escorregada e me expor. Antes da pandemia, eu já tinha Facebook, Instagram, mas era algo administrado pelo escritório e muito impessoal. Só servia para postar avisos de show, datas, folders, eventos, só isso. Eu comecei a pensar em utilizá-las e procurei ajuda de um administrador, porque eu era bem tosco nessa tecnologia toda e hoje eu tô meio tosco só. Fui por esse caminho e foi uma maneira de abrir um espaço pra conversar com as pessoas que curtem o meu trabalho e ao mesmo tempo ter essa atividade mental de revirar meus livros para lembra-los, indica-los, fazer uma resenha, também abrir canal para pessoas que são do culto de Orixá, religiões de matrizes africanas, pra gente abrir um diálogo, fórum. As pessoas me cobravam muito lives musicais, mas elas não sabem o trabalho e o custo que é pra você realizar. Comecei a ter essa atividade, mesmo porque eu já tinha essa experiência toda no Canal Brasil, onde fiquei por seis anos entrevistando personalidades e a coisa foi crescendo muito, até a parte da cozinha, que é engraçada e todo mundo destaca. Foi uma brincadeira que eu fiz um dia e começou a ter a maior repercussão e meio que eu comecei a fazer o “Domingão do Nasi”, né? Eu mesmo, por conta da pandemia, voltei a cozinhar mais do que antes, porque sempre gostei. Tenho uma pequena biblioteca sobre o assunto com livros de atores e chefs que acho legais e comecei a mergulhar nisso como forma de estudo. Foi muito importante pra mim. De abril de 2020 até hoje, quase um ano e meio depois, eu passei de 45 mil seguidores para 145 mil. Foi legal, tive que fazer uns posts iniciais para espantar bolsominions. Não quero doutrinar ninguém politicamente, mas não quero minions e robôs me seguindo. A pessoa pode ter a conduta política que quiser, desde que seja civilizada. Também não curto intolerância de esquerda. Eu prefiro ter menos seguidores, do que seguidores imbecis.
Live de Nasi com Ricardo Gaspa, ex-baixista do Ira!
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Recentemente você anunciou que irá lançar um novo trabalho em carreira solo. O que podemos esperar? Ele seguirá as mesmas características de álbuns como “Onde Os Anjos Não Ousam Pisar”, “Perigoso” e outros de sua carreira?
Nasi
Devo lançar meu novo trabalho por volta de outubro, no máximo novembro. Ele já tem nome definido, que é “Nasi e Os Spoilers”, porque a banda que me acompanha, além das participações especiais, é Os Spoilers, que é uma banda de garotos paulistas e gaúchos e com quem eu venho fazendo shows tocando clássicos do rock e da minha carreira. Começou de uma maneira despretensiosa e depois virou sete músicas lançadas em streaming e depois, assim que possível, lançada em vinil. Esse trabalho, pela paixão que nos uniu e também pela influência do rock britânico que os meninos tem, acho que ele vai ter uma pegada bem english. Já anunciei em alguns lugares que teremos participações muito legais. Preciso guardar um pouco de segredo, mas teremos um baterista que já tocou com o Paul Weller, do The Jam, um outro que já tocou com o Libertines e The Specials, o Johnny Boy, que é sempre um parceirão e um saxofonista incrível chamado Denilson. É um disco que está saindo bem vigoroso.
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Eu sou um grande admirador da discografia do Ira! Se pudesse eu ficaria falando sobre cada álbum por horas. Mas gostaria de saber da você, qual o seu TOP 5 álbuns do Ira!, se é que é possível citar.
Nasi
Bom, é difícil escolher, né? mas eu vou fazer uma forcinha e não ficar racionalizando muito. Bom, eu coloco o "Psicoacústica" (1988), "Acústico MTV" (2004) "Isso é Amor" (1999), "Mudança de Comportamento" (1985), (alguns segundos de pausa) um disco que eu acho que é pouco citado é o "7", mas é muito bacana. Eu poderia citar o homônimo "IRA" (2020), que foi lançado no ano passado. Ele é muito recente. Nós nem conseguimos tocar ele ao vivo, mas acho que em um top 6 ele está entre os melhores.
"O Amor Também Faz Errar" foi o primeiro single do álbum "IRA!"
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Ainda falando dos álbuns da banda, nos anos 90 vocês gravaram diversos discos sensacionais e uma fase em específico me chama atenção: a transição da Warner para Paradoxx. Como que vocês foram parar nessa gravadora, que tinha basicamente todo seu catálogo com artistas de música eletrônica?
Nasi
Olha, na época eu nem me toquei que a Paradoxx tinha esse catálogo eletrônico. Por coincidência, o Ira! lançou o disco "Você Não Sabe Quem Eu Sou" (1998), que tem muitas influências eletrônicas, principalmente pela onda que o Edgard vivia na época. O “7” também foi lançado pela Paradoxx. A gente estava em uma fase muito difícil da banda, muito pesada, de muitas drogas, no meu caso. Nós saímos de uma grande multinacional meio que por baixo, o rock não estava mais na onda. Foi o que apareceu pra gente na época, não teve uma razão muito específica pra isso.
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Os discos mais experimentais da banda, sem dúvidas, são o “Psicoacústica” e o “Você Não Sabe Quem Eu Sou”. Quais as maiores peculiaridades destes dois discos pra você e como era o seu momento de vida nas respectivas datas em que estes álbuns foram lançados?
Nasi
São dois discos que tem a peculiaridade de cada um ter tido uma influência específica. Na época do “Psicoacústica” eu estava muito envolvido com o RAP nacional, estava trabalhando com novidades que eram o scrath, os samples, loop, então usei, de uma maneira até meio tosca, na música “Farto do Rock And Roll". Em “Advogado do Diabo” tinha muitas influências do RAP e “Rubro Zorro” tinha samples do filme “O Bandido da Luz Vermelha”. Já no “Você Não Sabe Quem Eu Sou” teve a influência do Edgard, que estava mergulhado na cena eletrônica e tinha até lançado um disco somente com esse tipo de música (“Benzina” 1996) e isso entrou praticamente no disco inteiro e na atmosfera da produção em geral. Foram discos que nós também metemos a mão como produtores e co-produtores. No “Psicoacústica” nós praticamente nos trancamos dentro de um estúdio com o engenheiro Paulo Junqueiro e fomos nós que assinamos a produção. Já no “Você Não Sabe Quem Eu Sou”, apesar da produção ter sido do Carlo Bartolini, nós também metemos muito a mão.
"Tantas Nuvens" é uma das faixas do experimental álbum "Você Não Sabe Quem Eu Sou"
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Os fãs do Ira! tem um grande apreço pelas canções conhecidas como "Lado B". Para você, quais são as canções que não são conhecidas do grande público e que precisam voltar ao repertório?
Nasi
É muito difícil pra uma banda como nós que tem 12 álbuns gravados. Nós temos mais de uma centena de músicas e num show a gente desfila por volta de 20, então ficam por volta de 80 músicas sempre circundado isso. Até pra dar uma oxigenada no nosso repertório, a gente coloca as músicas que fizeram mais sucesso, que não podem faltar no show do Ira! e que a maioria das pessoas querem ouvir, mas sempre fazendo um rodízio. As vezes umas ficam pra trás e outras voltam. Em 2022 estamos prestes a sair em uma turnê comemorando 40 anos e finalmente mostrando as dez músicas do álbum “IRA”. É um momento que vai ser difícil voltar com lado B, né? Porque se a gente pegar as dez músicas que não podemos deixar de tocar, mais as 10 músicas do novo álbum, fica complicado. “Rubro Zorro” eu acho que é um lado B, porque nunca foi single de rádio e é uma música que faz tanto sucesso como as outras canções clássicas do Ira! Acho que isso é muito variante, acho que o Ira! lançou poucas músicas discrepantes na sua carreira. São pouquíssimas que não tem a nossa cara e que entraram pra cumprir tabela em um disco. Qualquer música pode entrar em nosso repertório.
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Durante o auge do Ira!, após a gravação do Acústico MTV, você se tornou personagem da série animada "Rockstar Ghost". Como que rolou esse oportunidade?
Nasi
Foi uma surpresa legal pra mim. Eu sempre quis fazer dublagem, mas não é bem assim. Você precisa quase de uma licença de ator pra fazer isso. Na época a gente estava muito presente na MTV, foi após o sucesso do nosso Acústico. Eu tinha quase uma identidade como praticamente um personagem do Rockgol e a MTV tinha um núcleo de animação muito legal, que criou vários personagens como o Fudêncio e outros. Era outra coisa que diferenciava a MTV brasileira da europeia e americana. Quando eles vieram com essa historinha eu adorei. Um desenho que misturava um pouco de “Ghostbusters” com “Hellboy”. Foi uma experiência muito legal. Uma pena é que não só a segunda temporada não aconteceu, mas todo o núcleo de animação foi dissolvido. A gente tinha ideia de fazer uma segunda temporada com fantasmas do rock nacional, com todo respeito. Artistas que já teriam morrido.
Episódio 1 da série "Rockstar Ghost"
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Na últimas semana, vocês fizeram dois shows que marcaram a volta da banda aos palcos com o projeto Ira! Folk. Como foi a experiência?
Nasi
Foi muito legal. A gente trabalhou com 60% da capacidade do teatro. O primeiro show foi muito bom e o segundo foi melhor ainda. A impressão eu dava é que se tivessem mais noites seriam cada vez melhores, mesmo sem retomar os ensaios. A gente só fez uma passagem de som. Isso só mostra a nossa vontade e o tesão que temos de voltar aos palcos. Espero que aos poucos, com todos os cuidados necessários a gente possa fazer mais shows, tanto do folk, quanto do elétrico.
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Como você avalia a atual cena do rock brasileiro em geral?
Nasi
Sempre me perguntam isso e eu tenho certa dificuldade porque eu não acompanho tantas coisas novas. Mesmo assim acho que tem poucas coisas novas interessantes. Acho que estamos precisando de uma nova geração de roqueiros no Brasil e lá fora. Vejo com muita tristeza os caminhos da música popular, tirando coisas alternativas que sempre vão trazer novidades bacanas. É só você ver o que tocava na MTV e o que toca lá hoje, o que eles chamam de R&B eu acho péssimo. Quando a música negra é ruim, é porque não existe luz no fim do túnel, porque tudo que houve de bacana no pop internacional veio a partir do underground afro-americano. O blues gerou grandes bandas de rock, o RAP também foi muito importante, soul music, o funk music do James Brown. Hoje a gente não tem isso, só esse R&B que o timbre de voz é único para todos. Eu acho um horror.
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Após tantas idas e vindas e muitos anos de amizade, como está sua relação com o Edgard hoje? Dá pra dizer que vocês vivem o seu melhor momento dos últimos 20 anos?
Nasi
Olha, não sei se é o melhor momento, mas é uma fase muito boa. É diferente. Com certeza tínhamos muito mais intimidade até o linear dos 30 anos, porque éramos solteiros, frequentávamos a noite juntos, todos os lugares. Era outra relação. Hoje cada um tem sua casa, sua família. Eu, no momento, estou divorciado. São muitas realidades diferentes. No palco, no estúdio, está havendo um carinho e um respeito muito importante por tudo que já passamos.
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Tanto no seu documentário, quanto na biografia, é nítido que a sua relação com o André Jung é algo irreconciliável. Acho que nunca vi você comentar o que, de fato, aconteceu entre vocês e o que fez a relação chegar a esse ponto. Pode falar sobre isso?
Nasi
O que vou comentar não tem muito segredo. Eu não gostei da postura dele na interdição, dando depoimentos pra um psiquiatra que quase me internou a força com um laudo indireto, veja que interessante, um laudo indireto. Um cara que nem me examinou. Se eu estivesse no lugar dele, eu falaria assim: “eu me recuso a fazer isso”. Até porque ele não é obrigado. Eu, principalmente, fui o melhor amigo que o André Jung teve. Eu o tirei praticamente da sarjeta, como diz o Milton Neves, porque quando ele tomou um pé na bunda dos Titãs, eu estava esperando ele em casa e eu coloquei ele no Ira! a contragosto do Gaspa e do Edgard. Eu disse isso na minha biografia. Hoje são todos amigos etc e tal, mas eles não queriam o André. Imagina, um cara que saiu dos Titãs do Iê-Iê, uma banda que não estava legal na Warner naquela época. Segundo os Titãs ele saiu porque não conseguia dar o peso necessário. Como que eu vou trazer pra uma banda chamada Ira!? Teve muita saliva minha, sabe? Tanto que você vê: acabou o Ira! o André tá tocando aonde? Esse “grande baterista”, esse “gênio da bateria”. Tá tocando aonde? Fez o que? Isso seria a mesma coisa que se eu não tivesse levado ele pro Ira!, então eu posso dizer com todas as letras, que tudo que o André ganhou na música ele deve a mim. Na primeira oportunidade de uma situação como aquela, ele me enfiou uma faca nas costas. Outros detalhes de coisas que eu não gostei durante a turnê do Acústico são coisas muito íntimas, que envolvem outras pessoas e até a família dele, mas acho que só isso já basta. De resto, vou te falar numa boa, se um dia eu cruzar o André Jung, (é que a gente não circula nos mesmos lugares) eu vou estender a mão pra ele civilizadamente. Se ele recusar, também não vou xingá-lo, vou virar as costas e vou embora. Só que eu não quero mais tocar com o André Jung por dois motivos: um, que durante esses anos fora do Ira!, eu toquei com um baterista chamado Evaristo Pádua, que é um puta baterista, mas um puta baterista! O André deveria ser roadie dele, nem roadie o André serve pra ser dele e outra, o Evaristo virou meu amigo. Então porque na volta do Ira! eu vou trocar um cara que não é mais meu amigo e um baterista inferior, por um cara que é meu amigo, um baterista superior e estava tocando comigo há sete anos? Ponto final.
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A banda teve uma mudança de integrantes e isso, geralmente, causa impacto na sonoridade da mesma, no entanto, notamos o Ira! com as mesmas características clássicas. Qual o segredo para manter as identidades musicais e não ir para um caminho sonoro diferente, mesmo com novos integrantes?
Nasi
Isso é até uma extensão dessa última pergunta. Esses caras que vieram pra formar o Ira!, no caso o Johnny Boy e o Evaristo, o Johnny sempre foi quase um quinto Ira!. Desde a década de 90 ele já gravou todos os teclados de discos do Ira!, já fez excursão com a gente no “Ao Vivo MTV”, turnê do “Isso é Amor”. Ele tem uma cultura musical que a gente tem também de bandas e referências. É um músico genial. Pra mim o maior músico que eu conheço chama-se Johnny Boy. Completo, ouvido absoluto, toca praticamente todos os instrumentos muito bem, canta muito bem e já estava adaptado ao som do Ira! O Evaristo já estava adaptado ao som da banda, então as escolhas foram muito conscientes e naturais. Desculpe, algumas pessoas ficam chateadas, mas eu não estou diminuindo nada. No palco e no disco também, tecnicamente, essa é a melhor formação do Ira! de todos os tempos.
Um agradecimento especial para Luciana Scudelari, fundamental para a realização desta entrevista