Os contratos envolvendo gravadoras e artistas sempre foram prato cheio para debates do mercado musical. Polêmicas envolvendo criadores de obras e executivos de grandes majors do mercado fonográfico não são novidade.
Como não lembrar da recente briga entre Luísa Sonza e Universal Music? Ou o emblemático entrave entre Tommy Motolla, ex-presidente da Sony Music e Michael Jackson? A notícia mais importante da última quarta-feira, envolvendo o mercado musical, é a recente briga judicial entre a gravadora DeckDisc e a atriz e cantora Larissa Manoela. Segundo a matéria do jornalista Gabriel Vaquer, da Folha de São Paulo, a artista estaria impedida de seguir com sua carreira musical devido a um contrato vitalício assinado por seus país, ainda na infância, com a gravadora.
Vivemos tempos onde a internet e seu suposto ambiente democrático, onde qualquer pessoa pode mostrar sua arte, alimenta milhares de sonhos de cantores e compositores que desejam alcançar o topo somente através da sua arte.
Na prática, não é assim que a banda toca. Se antes as gravadoras e seus A&Rs (diretores artísticos) exerciam forte influência dentro das obras pelo fato de despejarem rios de dinheiros em artistas, hoje a fórmula é exatamente a mesma. Nada mudou. A diferença, é que o investimento é muito menor e o mercado continua extremamente lucrativo.
A indústria segue com o mesmo modus operandi abusivo e arcaico da época áurea das vendagens de discos. As letras miúdas dos contratos enganam e seduzem artistas sedentos em ploriferarem suas obras e, claro, de olho em adiantamentos milionários pagos, em muitos casos, pelas grandes gravadoras.
Mas o caso de Larissa Manoela pode ser considerado inédito, pelo menos para a imprensa. Como uma cantora, que na época era menor de idade, pode ter sido vinculada a um contrato vitalício, onde ela se quer tinha ciência desta cláusula?
Talvez o mais decepcionante, pelo menos na impressão de quem escreve este texto, é o fato de que a DeckDisc, uma gravadora conhecida por sua "veia independente", tenha sido a responsável pela elaboração deste contrato.
O selo que tem como lema a frase "tudo pela música", criou uma cláusula que deixa o artista completamente desamparado em relação aos seus próprios interesses e desejos. A mercê de uma empresa. Vale ressaltar que na matéria da Folha de São Paulo, a Deck respondeu à reportagem afirmando que está disposta a rescindir o contrato, desde que a artista cumpra alguma premissas. Mas quais são elas? O pagamento de uma multa milionária? Mesmo com 200 mil ouvintes mensais, a artista não tem recebido repasses de seus ganhos nas plataformas. Será que ela não tem direito a receber pelos fonogramas? São muitos questionamentos que somente as partes envolvidas neste contrato podem esclarecer.
Casos como este deixam todo o mercado e principalmente os artistas em alerta. Muitas distribuidoras digitais, que vendem a facilidade de inserir músicas nas plataformas de áudio, deixam nas entrelinhas de seus termos de uso, cláusulas de exclusividade das músicas e também dos artistas. A DeckDisc já até realizou um documentário sobre sua trajetória. A obra romantiza o trabalho da gravadora, com inúmeros depoimentos de seu diretor e produtor afirmando que vários dos artistas gravados pela gravadora, fizeram sem contrato, dando a entender que a urgência da música era o mais importante.
Com este caso, o selo perde pontos com o público e imprensa especializada. Claro que não dá para negar a importância da empresa para a criação de artistas relevantes na primeira metade dos anos 2000, mas todo resquício de abuso da indústria fonográfica como era concebida em décadas passadas, deve ser combatido.
Não há necessidade de cancelar a gravadora. Não é assim que as coisas funcionam. Mas o bom senso deve prevalecer.